Alice Cooper oferece muito mais do que "rock teatral" no Best of Blues and Rock o1441
Apresentação em festival paulistano impressiona para além do mero "chocar", com clássicos multigeracionais, elementos teatrais e ótimo nível de performance musical e526n
Hoje aos 77 anos, Vincent Furnier, o homem por trás do personagem Alice Cooper, itiu à Rolling Stone Brasil: "Até hoje falamos sobre aqueles shows". Pudera: o próprio afirma que aquela turnê colocou seu nome no Guinness Book, o livro dos recordes, pois uma das apresentações no Salão de Exposições do Anhembi, em São Paulo, reuniu o maior público em local fechado, em torno de 160 mil pessoas.
Havia motivos para atrair tanta atenção. Cooper, à época, era o principal nome de um curioso subgênero chamado shock rock, que misturava influências do glam e do hard rock com performances bem teatrais inspiradas em filmes de terror com finalidade de… chocar, como o nome entrega. Além disso, era praticamente inédito que um artista no auge de sua carreira viesse a um país que, no período, não fazia parte do ainda incipiente circuito de turnês internacionais.
aram-se 51 anos. Alice Cooper mudou. O rock também. O mundo, nem se fala. Mas ainda é legal pra caramba assistir a um show como esse, que encerrou o sábado, 14, terceiro dos quatro dias da 12ª edição do Best of Blues and Rock, festival que acontece no Parque Ibirapuera, em São Paulo. No primeiro fim de semana, apresentaram-se Dave Matthews Band, Richard Ashcroft, entre outros. Logo antes de Alice, tocaram Black Pantera, Larissa Liveir e Charlie Brown Jr - Marcão Britto e Thiago Castanho. E no domingo, 15, ainda teremos Deep Purple, Judith Hill e Hurricanes.
Ver essa foto no Instagram
Há tempos, Alice defende que não existe mais shock rock. Não há mais como chocar, pois a realidade cumpre esse papel com maestria. Por isso, é impossível encarar como um "show de horrores" a apresentação atual do cantor, que está com a turnê "Too Close for Comfort" e é acompanhado por Nita Strauss (guitarra), Ryan Roxie (guitarra), Tommy Henriksen (guitarra), Glen Sobel (bateria) e Chuck Garric (baixo). Longe disso. A performance teatral segue muito para o lado divertido; não no sentido de galhofa, mas entretenimento.
Nos primeiros momentos do espetáculo, surgem duas pessoas com máscara de corvo tocando sinos. Uma cortina em formato de jornal "informa" sobre um julgamento de Alice Cooper, que deve ser condenado por "crimes contra a humanidade" após banimento no, veja só, Brasil. O cantor rasga esse jornal e a pelo meio para dar início a um trecho de "Lock Me Up", sucedida pela garage-rocker "Welcome to the Show", do álbum mais recente, Road (2024). Ambas as canções soam quase como um aquecimento, visto que estão longe de serem hits e, sem o elemento visual, ficam até estranhas como as primeiras do set.
Musicalmente falando, é como se o show começasse, mesmo, em "No More Mr. Nice Guy", faixa de Billion Dollar Babies (1973), álbum mais famoso do artista. Há então um desfile de clássicos com a dramática "I'm Eighteen", com iluminação diferente e um Alice já sem jaqueta utilizando uma muleta; a divertida "Under My Wheels", que, como em "Welcome to the Show", tem solos de duração proporcional dos três guitarristas; "Bed of Nails", representante do best-seller Trash (1989) com holofotes sob a talentosa Nita Strauss; e "Billion Dollar Babies", que dá nome ao já mencionado registro de 1973 e traz Cooper com espada de esgrima (!).
Estética à parte, o que chama atenção, mesmo, é o som. E nada de conversa fiada com o público: as canções são todas emendadas, em um formato que se mantém até com "Snakebite", durante a qual Alice normalmente surge com uma cobra — mas o réptil não apareceu no Ibira. Nita, curiosamente, a a canção toda no fundo, talvez ciente de que chama muita atenção. Sucedendo este número, rolam músicas apreciadas pelos fãs, mas não necessariamente clássicos ou hits: "Be My Lover", a mais "classic rock" do set; "Lost in America", de letra bem sacada; e as "mortais" "He's Back (The Man Behind the Mask)" e "Hey Stoopid", quando são "assassinados" durante cada uma delas, respectivamente, uma "fã histérica" e um "fotógrafo credenciado" sem noção. Chama atenção que ambos estejam com câmeras em mãos.
Um curto solo de bateria de Glen Sobel dá algum respiro antes da etapa mais teatral do set. "Welcome to My Nightmare", faixa-título do primeiro álbum realmente solo de Alice, traz o cantor enfim aproveitando uma das escadas de seu cenário "saloon" e um desfile de guitarras bem tocadas, enquanto "Cold Ethyl", hard rock ousadamente guiado por cowbell, conta com interação amorosa e violenta com uma boneca — a Ethyl. Do show nada chocante, talvez seja o momento mais controverso, inclusive pela letra de duplo sentido: pode versar sobre alcoolismo, como também sobre… necrofilia.
Se "Go to Hell" parece servir apenas como pano de fundo para uma dançarina com chicotes que surge no palco, "Poison", em seguida, é indispensável no set. Deliciosamente sedutora, a música que recolocou Alice no topo quase 20 anos após o artista ter estourado inicialmente é, de longe, sua mais popular nas plataformas de streaming. Dono do palco, ele interpreta a canção como se fosse qualquer outra, a ponto de brincar com fãs que avista de longe na grade.
Ver essa foto no Instagram
Seu personagem, enfim, é preso e colocado numa camisa de força em "Ballad of Dwight Fry", rara faixa lentinha no set antecedida por um solo de Nita e uma jam ao som de "Black Widow". Ao fim, entra a bailarina que o posiciona em uma guilhotina, junto de outros carrascos. Alice é "morto" ao som de uma versão instrumental de "Killer" e tem sua "cabeça" exposta durante "I Love the Dead". Sugestivo.
O circo acaba — ou recomeça em outro teor — com o mega-hit "School's Out", responsável por encerrar o repertório regular com balões gigantes (que espalham papel picado quando estourados) e trecho irresistível de "Another Brick in the Wall", do Pink Floyd. No bis, a pesada "Feed My Frankenstein", com direito a uma versão gigante e "Frankensteiniana" de Alice e… bolhas de sabão. Nós avisamos que o tal shock rock não choca.
Todo o teatro pode distrair uma parcela do público dos grandes méritos musicais de Cooper e sua banda. O cantor, que há décadas superou os vícios e se cuida como um atleta, preservou suas cordas vocais como raros nomes no rock. Não perde o fôlego, tampouco desafina e muito raramente busca atalhos. Seu timbre segue o mesmo.
O trio de guitarristas se complementa: Tommy Henriksen cuida mais das bases; Nita Strauss, fenômeno das seis cordas, assume arranjos e solos mais virtuosos; Ryan Roxie, por sua vez, assume os holofotes nas agens mais "classic rock". Muitas vezes, dois deles ou até os três se misturam em linhas dobradas. Chuck Garric, nome principal a assumir os backing vocals, oferece a consistência esperada de um bom baixista, enquanto Glen Sobel, uma máquina — no bom sentido —, tem considerável liberdade para adicionar algumas batidas extra e repaginar canções há anos no imaginário popular roqueiro.
A escolha de repertório, na maior parte do tempo, também é certeira. Fãs mais dedicados podem apontar algumas ausências, mas não dá para se ter tudo em 90 minutos. E, ainda assim, vários momentos do longo catálogo de Alice são abordados, com foco no período de auge na primeira metade da década de 1970 e seu ressurgimento entre a parte final dos anos 1980 e início dos 1990.
Considerada a combinação musical e visual, Alice Cooper fez um dos melhores shows e certamente o mais grandioso espetáculo da história do Best of Blues and Rock. Conseguir essa façanha em um festival que já teve Jeff Beck, Buddy Guy, Richie Sambora, Joe Perry, Joss Stone e Tom Morello é um feito e tanto. Impressiona ainda mais que tenha ocorrido 51 anos após ele ter arrastado quase 160 mil fãs para vê-lo na mesma cidade. Vida eterna ao vilão mais querido do rock.
SETLIST:
1. Lock Me Up (trecho)
2. Welcome to the Show
3. No More Mr. Nice Guy
4. I'm Eighteen
5. Under My Wheels
6. Bed of Nails
7. Billion Dollar Babies
8. Snakebite
9. Be My Lover
10. Lost in America
11. He's Back (The Man Behind the Mask)
12. Hey Stoopid
13. Solo de bateria de Glen Sobel
14. Welcome to My Nightmare
15. Cold Ethyl
16. Go to Hell
17. Poison
18. Solo de guitarra de Nita Strauss
19. Black Widow Jam (só a banda)
20. Ballad of Dwight Fry
21. Killer (só a banda)
22. I Love the Dead
23. School's Out
Bis:
23. Feed My Frankenstein